Da Folha | “Meus pais comem muita carne. Minha mãe comprava galinha e matava em casa. Aquilo mexia comigo. Um dia, fui visitar familiares no Nordeste e eles mataram um porco a marretadas! Como tinham coragem de marretar a cabeça de um bicho que era quase de estimação? Ali eu parei.” Foi assim que Rodolfo Duarte, 23, gerente de restaurante em São Paulo, riscou as carnes do seu cardápio.
Mesmo sem presenciar um abate, a estudante Laura Viana, 17, chegou à mesma conclusão. “Comecei a achar que, com tantas opções de alimentos, não era necessário criar animais com o único objetivo de comê-los.”
Enfrentando os preconceitos que ainda existem contra vegetarianos (seriam hippies tardios, fracotes) e a pressão dos pais (meu filho vai ficar anêmico?), um grupo crescente de jovens tem optado por não comer animais, movidos mais por questões éticas e ambientais do que de saúde.
Pesquisa da Escola Superior de Propaganda e Marketing no final de 2010 contabilizou 4% de vegetarianos entre jovens de São Paulo e Rio, das classes A, B e C. Nos EUA, um em cada cinco universitários já aboliu a carne.
Segundo Johathan Safran Foer, autor de “Comer Animais”, “virou um fenômeno político. Quando eles se tornarem jornalistas e políticos, o ponto de vista sobre a questão da carne vai mudar completamente”, diz.
É nas redes sociais, em eventos como a Verdurada (festival de música com comidinhas sem carne), ou na base da curiosidade que os novos vegetarianos se viram.
A estudante Ana Carvalho, 15, parou de comer carne há três anos e começou a se encher de pão e doces. No fim de 2009, estava anêmica.
Foi um drama. A mãe queria porque queria que ela parasse com aquela história. E Ana concordou em voltar aos bifes. “Só por seis meses.” Assim que o sangue voltou ao normal, ela -de novo- aboliu a carne.
“Agora, sigo a dieta indicada por uma médica, com soja, beterraba, cenoura e verduras. Estou ótima”, diz.
Segundo o nutrólogo e hebiatra Mauro Fisberg, docente da Universidade Federal de São Paulo, “aprender com os amigos não basta; é importante procurar a ajuda de um médico ou nutricionista para uma dieta equilibrada”.
“Quando parei de comer carne, parecia que eu é que era a aberração”, diz Thiago Vasconcelos, 18. Nem a mãe dispunha-se a cozinhar para ele. “Eu já sabia cozinhar de forma péssima. Aí, tive de melhorar para ruim.”
Muitos vegetarianos são obrigados a aprender a cozinhar, já que ainda há poucas opções nos restaurantes.
Mas conforme tornam-se mais importantes na demografia, grandes indústrias passam a cobiçar o novo mercado. A Perdigão, por exemplo, já oferece produtos como salsicha e hambúrguer de soja. Outras empresas vêm com quibes e linguiças vegetais, bife de glúten e até os inacreditáveis glutadela (mortadela de glúten) e tofupiry (requeijão de tofu).
Já que essa geração de vegetarianos tem mais problemas com os maus-tratos da indústria do abate e seu ônus para o planeta do que com o gosto da carne em si, dá-lhe imitação. “Adoro os industrializados”, diz Iran Pereira, 21, da banda Still Strong. É um vegetarianismo muito além das abobrinhas.

- 80% das áreas desmatadas do país são ocupadas pela atividade pecuária
- A criação de animais emite mais gases de efeito estufa do que todo o setor de transportes
- A cada 18 segundos, um hectare de floresta amazônica é convertida em pasto
- O rebanho brasileiro que mais cresce está na região da Amazônia
- Galinhas poedeiras (que botam ovos) vivem numa área menor que uma folha de papel A4 cada. Os pintinhos machos que nascem nessa indústria são “destruídos” em maceradores porque não têm valor comercial
- 6 semanas é o tempo médio de vida de um frango de granja até seu abate. Na natureza, ele viveria cerca de 15 anos. Esse crescimento em tempo recorde é estimulado artificialmente
- Frangos de abate tem seus bicos cortados para não machucarem uns aos outros ou a si próprios, o que é comum no ambiente confinado das granjas
- 70% dos estoques pesqueiros comerciais estão ameaçados de extinção
- 20 das 35 espécies de cavalo-marinho estão ameaçadas de extinção porque são mortas “sem querer” por redes de pesca de arrastão
- Para cada quilo de camarão pescado em redes de arrastão, cerca de 20 quilos de outros animais marinhos são mortos “sem querer” e atirados de volta ao mar
-15 mil litros de água são exigidos na produção de apenas um quilo de carne
- Leitões são castrados sem anestesia e vivem em cercados superpovoados para se locomoverem menos e, assim, engordarem mais e mais rápido

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
FERNANDA MENA
EDITORA DO FOLHATEEN